
Li o livro. Vi o filme. Revi o filme. Digeri
Atonement durante uma semana para conseguir escrever qualquer coisa sobre ele que valesse a pena postar aqui.
Já olhava para
Joe Wright com admiração desde
Pride & Prejudice, uma das minhas histórias de eleição à qual o realizador deu a vida que o século XXI lhe pedia. Com
Atonement tive a certeza de que Joe Wright está mesmo no caminho certo, se me permitem o trocadilho, apostando não só, mais uma vez, na adaptação de um belíssimo romance ao grande ecrã, como na participação de
Keira Knightley no papel principal, como aliás em
Orgulho e Preconceito. A (muito) jovem actriz a cada passo revela-nos porque é a escolhida para grandes filmes e porque é que mereceu a nomeação para o
Oscar em 2006.
Portanto, Joe Wright, Keira Knightley e, obviamente, o romance fabuloso que
Ian McEwan escreveu e me deixou apaixonada eram três grandes motivos para ir ver este filme. Mas muito melhor é quando percebemos que, se isso é possível, estamos a ver aquelas imagens que temos na cabeça e que pensámos que nunca veríamos em lado nenhum senão mesmo ali, na nossa cabeça. Wright conseguiu isso, como se tivesse captado uma imagem perfeita para cada palavra de McEwan.
Atonement envolve-nos à partida, junta-nos ao universo de
Briony Tallis enquanto cada tecla apertada da sua
Corona ecoa dentro de nós amparada por um piano que marca o ritmo alucinante de tudo o que se passa dentro da sua cabeça e da sua imaginação sem limites. Entramos no mundo desenfreado de
Briony, única na pele de
Saoirse Ronan que parece ler-nos e descobrir-nos cada vez que olha directamente para a câmara.
Num minuto percebemos onde está o fim dessa
Briony e onde nos surge outra completamente diferente,
there is no Briony, desfez-se naquela noite como tão efémera fosse uma nuvem. É aí que aparece
Romola Garai, a pequena
Tallis agora cinco anos mais velha, cinco anos de culpa e de remorsos que não deixam espaço para nada mais. É aí que percebemos a fatalidade do nosso próprio destino que muitas vezes não está ao nosso alcance, mas às vezes está somente na nossa cabeça e não damos conta dele senão quando não há nada a fazer. A desordem interior de
Briony contrapõe-se no ecrã por uma ordem quase coreográfica e incomodativa, a impotência e incapacidade que afinal temos para resolver os nossos próprios erros e que se camufla com uma racionalidade fria e demasiadamente consciente. O espectador sente-se encostado à parede, entre a vontade de detestar
Briony e a angustia por vê-la castigada toda a vida.
Briony é o grande motor de
Atonement, é a causa e a consequência de tudo o que acontece na história. Mas há que reparar também em
James McAvoy, a grande surpresa do filme, que se soube desenvencilhar como um grande actor nas cenas que comanda, que soube falar pouco mas dizer muito, que soube deixar o espectador na constante e inevitável sucessão de perguntas que nos surgem ao longo de duas horas.
Desengane-se quem pensa que este é apenas um filme sobre o amor, está muito longe disso. Sim,
Atonement fala-nos de uma história de amor, mas fala-nos sobretudo de quão longe estamos de poder comandar a nossa vida conforme os nossos desejos e vontades, quão pequeninos somos ao pé de um universo que não pára e fala-nos do maior castigo, aquele que impomos a nós próprios e que nenhuma prisão física pode superar.
O filme, bem como o livro, é duro, é explícito,
visceral mas simultaneamente encantador, onde cada imagem, cada gesto e cada palavra nos recordam o som cru de uma máquina de escrever e ao mesmo tempo o compasso de uma peça de Debussy que não queremos parar de ouvir e traz à superfície cada sentimento mais recôndito. Um paradoxo talvez, como muitos existentes no filme, o espectador passa 120 minutos de sobre uma ténue mas infinita linha entre ficção e realidade, entre expiação e esperança.
Joe Wright exibiu-se, como já li em algumas críticas... Concordo, concordo plenamente, fez tudo o que sabe fazer e que aprendeu de outros que sabem muito mais do que ele. Exibiu-se e soube exibir os outros, como o caso de
Dario Marianelli (
Pride & Prejudice, again...) que soube musicar todas as linhas do livro de McEwan e todas as imagens propostas por Wright.
Em
Atonement nada ficou por fazer e o resultado foi um filme carregado de símbolos, de expressões, de vontade de nos fazer pensar e saber mais acerca disto e daquilo, e que apesar de dizer tudo ao espectador, nos deixa o desejo e a liberdade de imaginar como teria sido
se... ou como teria sido
se... Wright conseguiu a rara proeza de ADAPTAR um livro ao cinema sem desiludir o leitor, e ainda encorajar quem não leu a pegar imediatamente no livro, em busca de qualquer pormenor que ainda se pudesse acrescentar a
Atonement.
Uma última palavra para
Vanessa Redgrave, que em cerca de cinco minutos de filme, com um olhar profundíssimo, um tom de voz que poderia explicar toda uma vida e meia dúzia de palavras conseguiu fazer de
Briony uma heroína, aquela que no fundo todos estavamos à espera, e nos mostrou como preferimos as coisas bonitas às coisas reais, somos, normalmente, muito mais felizes através daquilo que imaginamos e acrescentamos às nossas vidas.
E que mal há nisso,
right?